segunda-feira, 4 de junho de 2012

Promessa de emprego não cumprida gera indenização



“O pedido de indenização por perda de uma chance trata-se, na verdade, de inequívoca indenização por danos morais, pois visa compensar o reclamante pela frustração na obtenção de novo emprego, prejuízo de ordem marcadamente moral.” Com esse entendimento, a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) rejeitou pedido de uma empresa condenada por uma promessa de emprego não cumprida. A decisão é de 24 de maio. Não cabe recurso, já que o caso tramitou sob o rito sumaríssimo.

Com a decisão, a Agência Hora H Organização de Eventos Ltda., em vez de pagar os R$ 10 milarbitrados pelo juiz trabalhista Fabio Natali Costa, da 5ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto, terá de indenizar o desempregado Stênio Luiz de Lima Miasson, representado pelo advogado André Renato Claudino Leal, em R$ 15 mil.

No recurso, a empresa argumentou que o juiz decidiu fora do pedido. “Embora não tenha sido deduzido pedido específico de indenização por danos morais, a verdade é que cabe ao Juiz a definição jurídica do pedido”, entendeu o relator do caso, Tárcio José Vidotti.

De acordo com a decisão, “havendo o comprometimento da reclamada em contratar a parte autora, criando esperanças ao trabalhador, que passaria a exercer suas atividades em uma nova empresa, não poderia a reclamada, sem um justo motivo, frustrar tal expectativa”.

O caso

Como noticiou a revista Consultor Jurídico, Stênio Miasson, de 30 anos, trabalhava como promotor de vendas quando, por intermédio de um amigo, ficou sabendo de uma proposta de trabalho. Interessado, marcou uma entrevista para o dia 1º de dezembro de 2009. Foi contratado na mesma hora. Ele foi orientado no sentido de que receberia um telefonema do departamento de Recursos Humanos da empresa para seguir os trâmites formais.

Quando a funcionária da empresa ligou, três horas depois, dizendo que tinha urgência para preencher o cargo e que ele deveria pedir demissão do outro emprego, Stênio não hesitou. Largou o antigo trabalho e encaminhou, já no dia seguinte, sua Carteira de Trabalho e Previdência Social à nova empregadora.

Os dias se passaram e nada. Preocupado com seus compromissos financeiros, solicitou a devolução do documento com urgência. No entanto, a empregadora só devolveu a CTPS entre o Natal e o Ano Novo. Stênio teve então uma surpresa: o registro do novo emprego tinha sido cancelado.

O advogado André Leal explica que “a reclamada prejudicou o reclamante duas vezes: uma quando pediu para que pedisse demissão do emprego que possuía, garantindo sua contratação, outra quando demorou vários dias para enviar-lhe sua CTPS”. Por isso, acredita, Stênio foi agredido tanto em sua dignidade com a falsa promessa de trabalho quanto com a perda do emprego que já tinha, fatos que o envergonharam na frente de amigos, parentes e conhecidos.

Além disso, lembra o advogado na inicial, “a falta do seu salário lhe causou grandes transtornos econômicos e morais, tendo em vista ser o único meio de sobrevivência do reclamante e de sua família”. Tais consequências justificaria a indenização por danos morais e também por danos materiais.

Amparado no artigo 927 do Código Civil, André Leal argumentou que a empregadora deveria pagar a indenização, já que teria “por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência” violado direito ou causado prejuízos a Stênio.

Teoria da perda de uma chance

Chance ou oportunidade é a probabilidade real de alguém obter um lucro ou evitar um prejuízo. De acordo com André Leal, para que a teoria proceda, “é preciso que a perda de oportunidade de ganho ou de evitar um prejuízo sob o aspecto do dano material seja séria e real”. Para o advogado, no caso de Stênio, a empregadora deu a entender que a efetivação do emprego de fato aconteceria, “mas cuja concretização restou frustrada em virtude de fato danoso”.

Quando aplicada de forma apropriada, a teoria pode se tornar um instrumento eficaz para atingir os objetivos da nova responsabilidade civil. É sob esse prisma que André Leal sustentou a defesa de Stênio. “Não havendo o cumprimento espontâneo da obrigação”, escreveu na inicial, “o ordenamento jurídico impõe ao devedor a responsabilidade pela reparação dos danos que tiverem sido causados, tanto os danos materiais quando os morais”.

Para o advogado, deve haver garantia da reparação dos prejuízos quando isso acontece. E, dentro desse pensamento, explica o advogado, “surgiu uma corrente jurisprudencial e doutrinária calcada na reparação dos danos decorrentes da perda”.

Nesse ponto, o foco não é a repressão ao ato ilícito, e sim a proteção da vítima. “Deve o juiz, na apreciação do caso real, valer de um juízo de razoabilidade, causal e hipotético, levando em conta o desenvolvimento normal dos acontecimentos, caso não tivesse ocorrido o fato ilícito que interrompeu aquela chance de obtenção do resultado esperado”.

André Leal considera que o caso em questão é um típico exemplo de violação da boa-fé — tendo o empregador contratado, combinado data e remuneração, orientado o novo empregado a pedir demissão do trabalho anterior e voltado atrás da decisão. “Se é lícito ao empregador contratar ou deixar de contratar quem entender necessário, também é certo de que não pode causar danos ao trabalhador no exercício desse direito”.

Há poucos precedentes na jurisprudência brasileira. “Mesmo que de forma simples — conforme princípio que orienta o processo do trabalho, cujos requisitos da petição inicial são diferenciados do processo civil —, observa-se que há fundamentação suficiente para todos os pleitos”, afirmou o juiz na sentença.

Clique aqui para ler a decisão.


Matéria: Marília Scriboni é repórter da revista Consultor Jurídico.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1º de junho de 2012

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